segunda-feira, 23 de abril de 2012

Capítulo VI -b

Não é a primeira vez que paro como um tolo no corredor, de frente a minha porta entreaberta, a pensar se devo ou não entrar no que foi criado para representar a tranqüilidade. Mas não, eu tinha que fazer tudo errado; eu tinha que vacilar; eu tinha que perder. O valor de algo só é dado quando não se pode mais reaver, quando se perde aquilo que não dávamos conta de que um dia iríamos perder.

Não me incomodo em acender a luz. A escuridão não assusta. Não são os fantasmas que me assustam, os mortos não me assustam. Quero apenas relaxar a mente, fazê-la entrar num torpor único, fechar os malditos olhos e só acordar amanhã depois que o sol romper a madrugada e penetrar no quarto como um invasor sedento, devorando minha solidão. 

O sofá me acolhe com seus braços grossos, a envolver-me em maciez. Lembro o colo mágico da mãe que deixei. Sorrio de lado. A mãe que jamais vi, assim como a irmã, que se casou e meu deu um sobrinho que nunca batizarei. Às vezes me pergunto por que deixei minha casa, minha família, meu país. Se lá não via o futuro, também não o encontrei aqui. Uma utopia, um sonho frustrado em construir família, um buraco no peito e o Tejo nos olhos. Ora, foi por isso que disse adeus aos meus? 

Fugitivo da minha história, fui capturado por lembranças. E se aquelas do passado remoto ardem como queimaduras expostas ao calor, as novas são ainda mais dolorosas e nada sutis. A dor que se me fica é intensa; é minha; não há fuga; não basta pegar um avião e atravessar um oceano, porque a saudade fica comigo e comigo vai a qualquer lugar. Maldito sentimento luso. Amaldiçoado sejas, infame navegador.