terça-feira, 26 de julho de 2011

Capítulo V - cena 6

Vazia. A sala vazia, mergulhada num silêncio absurdo. Nada. Nenhum barulho, nenhum som, nenhuma música, nenhuma voz, nenhum grito, nenhum sussurro, apenas o silêncio da tua ausência se espalha pelas paredes frias e me cerca como um exército bárbaro pronto para me fazer em pedaços. Abro a janela e deixo o som das ruas invadir a minha loucura. Nada disfarça a tua falta. Não há som que substitua sua respiração breve, nada serve para me enternecer como tua voz suave, nada mais existe no meu delírio a não ser tua sonoridade agora muda em mim.

Tudo agora é um mergulho em trevas medonhas. A minha vida entrou na caverna escura e desconhecida. Eu caminho na escuridão atrás de ti, Luciana. Caminho desvairado como um caminhante que erra pelas trilhas ermas do desengano. Eu, que em outros tempos não te via, agora te vejo em todos os lugares que não estás. Isto é o que dizem dar valor quando se perde o que não se devia perder? Isto é descobrir que se ama alguém quando não há mais alguém para amar?

"A gente precisa conversar, Jorge”, tu me disseste, pelo telefone, há alguns dias. Palavras mágicas que expandem o significado e são entendidas com muita facilidade. Não há a necessidade de se ter essa conversa, já sabemos nós o que essas suas palavras querem dizer, não há pessoa no mundo que não saiba que tudo chegou ao fim quando proferimos a palavra “conversa”. Ainda não conversamos, mas já sabemos que eu e ti não somos mais um nós. Cada um agora segue seu caminho sem o outro para guiar pelas tortuosas vias que os passos arrastam. As pegadas se afastam uma das outras, e ninguém carrega o outro no colo. Não são as famosas pegadas na areia, as nossas passadas foram dadas na lama, assim sendo, encobertas pela terra negra e molenga que nos traga a cada pisada. Malditas escolhas as nossas. Maldita sejas tu por me amar; maldito seja eu por não ter dado o amor que eu negava em meu peito. Se um dia eu acreditei que só estava contigo para saciar a minha fome animal, percebo que mais do que a ti, eu me enganava, a viver na mentira que minha mente hipócrita criara.

Sinto a tua falta. É duro assumir que sinto a tua falta, mas — droga — eu sinto a tua falta, Luciana. Gostaria que estivesses aqui comigo, compartilhando da minha comida, protegida pelo meu teto, aquecida pelo meu corpo. Mas não estás, não é mesmo? Percebeste em tempo que o barco fazia água e buscaste o teu salva-vidas a fim de te salvares ilesa da corrente que vinha assustadora como uma onda gigantesca se aproximando da costa. Eu tenho medo. O que será de mim agora que foste embora? Voltarás um dia? Teremos essa conversa ou as entrelinhas já nos disseram tudo o que as palavras negam dizer? Silêncio... só ouço o som do álcool enchendo o copo. Mais uma dose de sonhos antes de o pesadelo voltar para mim e sorrir sarcástico, repleto de ironia.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Capítulo V - Cena 5b

O sol no rosto me fez acordar. Não sei se foi a leitura do poema ou se foi a comunhão espiritual com Cristo, mas acordei bem melhor do que quando me espreitei pelo corredor cheia de receios para me perder, ou quem sabe me encontrar nas páginas amareladas de um Gregório de Matos.

Pela janela o dia é azul, aqui parece que todos os dias são azuis. É bonito, é tranquilo, um refúgio perfeito para meus problemas, para meus tormentos, para minha dor e meu medo. Não é porque a grama é verde e a brisa refrescante que não temo as pragas e as grandes tempestades que destroem tudo quando passam. Mas acredito que já tenha vivido todas as tempestades, ou melhor, calamidades que a vida poderia me fazer passar. Ainda estou em pedaços, e eu mesma preciso me juntar. Não posso depender de ninguém, não posso mais ser a menina incapaz, a mulher fraca que fizeram de boba por tanto tempo. Agora é hora de pegar a minha vida e guiá-la por mim mesma. Se não for bom para mim, não farei pensando em agradar outra pessoa que jamais me faria o mesmo. Eu me tornarei uma pessoa ruim por isso? Quem se importa? Sou sempre eu que choro sozinha no fim das contas.