sábado, 30 de abril de 2011

Capítulo IV - Cena IV

Noites atravessei em prantos. Eu chorava por ele, pela falta dele, pelo ódio dele, pelo amor dele. Amor e ódio, duas linhas tênues que se cruzam em determinada parte do caminho das quimeras. Definhei como uma paciente terminal apenas esperando a morte chegar. Mas fui eu que lhe pus para fora de mim. Fui eu que lhe neguei o perdão. Mas não poderia ser diferente. Eu não poderia deixar que ele me fizesse de tola eternamente como há muito fazia. Era preciso ser forte e aguentar a dor brutal que me punha inconsciente na cama.

Jorge entrou no elevador sem olhar para trás. Eu caí sobre os joelhos em pânico. A dor pungente me contraía o estômago, a vista turva, banhada de lágrimas, banhada das agonias da loucura. Eu gritei como se me arrancassem de mim mesma numa explosão catastrófica de dor e de mágoa. Eu gritei porque queria que ele me ouvisse, mas é claro que não me ouviu, ou se ouviu, fingiu não ouvir.

A noite foi um pesadelo acordada. A primeira noite sem o homem que eu pensava ser o meu único amor foi o viver no inferno. Não havia mais ninguém para cuidar de mim, ninguém para me beijar o rosto antes de dormir, ninguém para me cobrir no frio, ninguém para me amar... E foi então que eu quis morrer.

domingo, 24 de abril de 2011

Capítulo IV - Cena III

Tens certeza disso? Queres que eu vá embora? Foram as últimas palavras do nosso fim. Jorge me perguntava à porta, eu não tinha coragem de fitar seus olhos negros. Num gesto, afirmei com a cabeça e disse com a voz entrecortada de amargura: agora é tudo o que eu quero. E ele foi. Atravessou o umbral sem se despedir, sem pedir para ficar, sem dizer que voltava, sem nada. Apenas chegou ao corredor num passo vacilante e chamou o elevador.

Vazia, eu olhava pela porta ainda aberta. Algo em mim o esperava de volta — coisa louca — eu o expulsava da minha vida e tinha o desejo de que insistisse para ficar. Mas Jorge sempre me surpreendia, eu nunca poderia esperar dele a certeza, quando todo ele era o improviso. Jorge não voltou, não argumentou, não gritou, não brigou. O silêncio foi um golpe fatal à minha falsa superioridade racional.

Era isso o que eu queria de verdade? Não poderia perdoá-lo pelas inúmeras falhas? O coração ferido acreditava numa mudança, mas a mente fria sempre soube que não se muda o homem. Ele faria novamente. Ao menor descuido meu, ele me trairia como era de costume. E eu, que sempre pensei na sua satisfação, amargaria maiores decepções, transformando o amor de ontem no ódio de hoje. Não mudou muito, entretanto. O que sinto por ele não é algo saudável ou digno de caixinha de lembranças.

Se fomos felizes um dia? Sim, fomos felizes, pelo menos eu penso que sim. Mas a felicidade de um instante não supera a tristeza absoluta que se instalou em mim desde que soube de outros braços em seu corpo, desde que perdemos aos poucos a centelha do amor que nos consumia como corpos ardentes. A súbita lembrança me esfacela o peito. Queria esquecê-lo, transformá-lo numa simples e vaga recordação do passado mutilado e distante, mas esse homem de fala mansa e sorriso pleno não se apaga em mim, embora eu me esforce para tal. Maldito! Ele ou meu coração? Somos todos malditos neste campo de mentiras e ilusões. O amor é um veneno, Jorge a serpente que jorrou em mim a mácula da decepção.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Capítulo IV - Cena II

Por que fiquei tanto tempo ao lado de Luciana? Por que mantive as ilusões que ela criara? Nós nunca seremos a família feliz, nunca teremos filhos, jamais envelheceremos juntos. Contentei-me com para não sofrer a perda do verdadeiro amor. Terei perdão na entrada do Paraíso? Certamente não terei nem o meu perdão. Não me sinto bem por tratá-la friamente, abusando dos seus sentimentos para acalentar os meus prazeres. Mas alguma coisa mudou. Antes eu a iludia, e tinha consciência do que fazia, mas, com o tempo, perdi a noção exata do que era ilusório e do que era real. Não fosse por Cláudia, Luciana seria uma mulher muito amada. Ela merece ser amada pelo amor que me dispensa, e não sei retribuir. Iludindo-a, iludo a mim nessa farsa em que vivemos. Gosto dela, não nego a verdade, mas não como ela merece. Gostaria de recomeçar. O mais certo é que não a queria como amiga e confidente das horas impróprias. Se eu não a conhecesse, poupar-lhe-ia um sofrer desumano. Mas se eu não a conhecesse, jamais ouviria o som do seu coração vazando pelas teclas do piano. Jamais teria me arrepiado com a música triste que ela emana. Luciana sempre foi um tanto quanto triste, e isso não é minha culpa, é próprio dela. Eu somente a libertei em maior intensidade. E ela é tão boa comigo. Sempre foi.

No dia seguinte à noite em que me encantei com Luciana adormecida no sofá, senti meu coração estremecer quando não a vi na cama. Mesmo com dores atrozes no corpo, acordei com vontade de Luciana, não de Cláudia. Mas ela não estava na cama, não estava no quarto, não estava em lugar nenhum de nosso mundo privado. Pela primeira vez pensei em como seria perdê-la. Não gostei. Onde ela estava? Liguei para o celular com palpitações nervosas. Ela não me atendeu. E ela sempre me atendia, independente do que estivesse a fazer. Isso me impulsionou o medo, um medo que eu desconhecia existir em mim. Aquilo doeu. E era o princípio de Lucina? Talvez.

Ela não está novamente. Anda a vagar por algum lugar desta imensa cidade, e eu não sei onde ela caminha, onde ela passa o dia, às vezes as noites. Preocupo-me, óbvio. Mas o receio maior é de que ela esteja com outro, a dar a outrem o que tanto dedicou a mim e não fui homem o suficiente para entender. Peno... sofro de ciúmes. E diferente dela, não calo minha angústia. Brigamos muito... e não gosto de brigas.