segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Capítulo VI

O corredor solitário. As luzes se acendem e logo se apagam à medida que passo. Uma interminável caminhada até a porta do templo. O meu templo onde o deus sou eu. Um deus solitário, um deus sem fiéis, um deus sem crença. Diria até não ser um deus que ali habita, demônio, talvez. Um vil ser das trevas, uma alma perdida sem esperança, ser desprezível assombrando a si mesmo com as imagens decadentes e atos maléficos. Um anjo, sou um anjo; digo a quem quiser me ouvir. Digo no ouvido da mulher que deita em minha cama; um anjo; entre os beijos da mulher que minto amar; um anjo; no calor dos corpos em frenesi sob o lençol; um anjo. Completasse a frase, todas saberiam que jamais lhes menti, sou um anjo, um anjo caído.

À porta, hesito. Transpassar o umbral sem acompanhante é encarar a solidão do mundo vazio. Sozinho, eu não tenho máscaras, não ando a me esconder de mim. Sou obrigado a me encarar; a fitar meus olhos melindrosos no espelho; a enfrentar meus medos; a nutrir o ódio crescente de mim. Não gosto de voltar para o apartamento sozinho, mas hoje não me sinto bem para as curtições do pecado, para a festa da luxúria, para o culto a Baco, para saldar a besta que reside em mim e destrói, sem pena, clemência ou misericórdia a tola que se despiria ao meu furor.

Posso enganar a todos, mas não me engano. Hoje não estou bem. Sem uísque com os amigos, sem cerveja na praia, sem vodka no bar. Eu deveria desligar esta melancolia e me afogar com uma garrafa de algo forte, mas mergulhar na ebriedade, como estou hoje, seria o suicídio da pouca moral. Não. Hoje não estou para farras, não estou para festas, não estou para bares, para namoradas, para putas, para ninguém. Hoje eu sou dela, única e exclusivamente dela, a minha tristeza escondida em tantas canalhices.

Um comentário: