sábado, 21 de maio de 2011

Capítulo V - Cena 2

Só. A vida fez de mim um homem só, ou eu fiz da solidão a minha vida. Um longo vazio no revés da melancolia. Não há mais ninguém aqui, somente fantasmas de agonia vagando pelos corredores da minha memória, com seus gemidos assombrosos. Onde estão as vozes que tanto quis que se calassem? Onde estão os passos que por tantas vezes me incomodavam? Onde está meu mundo neste caos interminável em que os sonhos tornaram-se a tormenta do abandono.

Envelheci de ontem para hoje. Tornei-me amargo. Não me restou sombra de quem um dia fui e jamais serei novamente. Acredito agora que eu sou o fantasma de meu mundo. Não foram aqueles que me rodeavam que desceram à sepultura e ficaram volitando pela casa a fim de me molestarem a memória, fui eu que larguei o corpo em algum lugar sombrio e me meti num lodoso pântano de sofrimento.

Quis muito e nada mais tenho. De tanto querer, tudo perdi. E era o sorriso dela que me mantinha e fui incapaz de perceber. Não lhe dei valor, embebido na loucura. Não lhe dei amor, aprisionado em quimeras. E agora que tudo acabou? Por que só damos valor aos outros quando os perdemos? Qual a medida da minha insanidade descabida?

Olho o que restou dela no apartamento. Percorro com os olhos baços as fotos esquecidas. Seu sorriso de menina... seu rosto de mulher. Choro. Em silêncio as lágrimas me descem pelo rosto, molham minha barba mal feita, perdem-se na tristeza em que se afogou minha ternura. Luciana foi embora. Partiu sem dizer adeus, sem um último beijo, sem um apertado abraço. Ela se foi para nunca mais voltar. Foi porque sou tolo, foi porque eu não soube amar.

Na fumaça do cigarro, vejo formar-se o rosto dela. O mesmo rosto que me esperava voltar, mesmo a saber que meu regresso não era verdadeiro. Ela sempre soube que eu não estava por inteiro em seus braços. Você está distante; ela dizia. Eu meneava a cabeça e mentia. Hoje é por ela que sofro. É por ela que me condeno e, infelizmente, nunca saberá que lhe tive sentimentos.

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