segunda-feira, 30 de maio de 2011

Capítulo V - Cena 3

Tranquila. Tenho que ficar tranquila. Meu coração está pequeno, apertado, sofrido, mas tenho que contê-lo, preciso dominar o meu mal, necessito dar a mim um pouco de paz, embora sofra. “Todo sofrimento passa, minha filha”, a voz suave da minha avó se repete em minha cabeça para me dar um pouco de alívio. Eu tento, juro. Tento me reconfortar nas lembranças de infância, no cheiro da inocência dos meus tempos de alegria... eu tento.

Agora, deitada na cama, olho para o teto, vejo as formas que as sombras desenham, as ranhuras que formam desenhos abstratos, mas se tornam claros na minha cabeça como telas renascentistas. Vejo a vida que sonhei para mim, quando, aqui mesmo, deitada nesta mesma cama, neste mesmo quarto, inventei uma história que nunca aconteceu. Quando se é menina fantasiamos demais, acreditamos nos contos de fadas. Eu era a princesa, eu aguardava meu príncipe encantado vir de longe me salvar dos meus pesadelos, dar-me um beijo e me pedir em casamento. Eu era a princesa de um sonho infantil que a realidade desconfigurou. Os sonhos, os meus sonhos, foram todos destroçados. O que me restou? Claro, Luciana, a realidade foi o que restou. Ingenuidade demais querer viver de ilusões infantis. Ingenuidade mesmo é acreditar que a vida será um sonho feliz. E não é.

Faz alguns dias que fugi do meu mundo. Faz alguns dias que peguei minhas malas e fechei a porta atrás de mim com a vontade de nunca mais voltar. Eu não quero voltar, mas meu coração pensa diferente. Coração não pensa, Luciana. Não responsabilize quem não tem culpa pelas suas vontades. Eu quero chorar, mas as lágrimas já escorreram demais. Deixei o apartamento, deixei Jorge, deixei o meu amor... mas ainda não deixei a minha dignidade. Não poderia deixá-la se perder como eu estava me perdendo. Era preciso agir, deixar a comodidade para trás, arregaçar as mangas e mudar. Dei o primeiro passo, o mais difícil dos passos, o que me levou para longe de quem eu queria estar sempre perto, atada, unida e firme como no poema de Gregório.

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