segunda-feira, 6 de junho de 2011

Capítulo V - Cena 4

Levanto apressada da cama. A camisola de algodão, tão diferente das ousadas sedas que me contornavam as curvas para lhe fazer delirar, se estende até o chão como uma túnica sacra. Lentamente vou à porta do quarto, pouso a mão na fria maçaneta, girando-a devagar. No silêncio do campo os ruídos da dobradiça são sussurros de melancolia. Não quero fazer barulho, não quero acordar meus avós, pobres almas ainda apaixonadas, que sem o fogo ardente que me consome, vivem as alegrias do companheirismo e a felicidade harmônica de quem teve uma vida inteira de satisfação. Caminho pelo longo corredor escuro. À frente, a lua entra por uma janela e guia meus passos vacilantes pelas trevas de mim. A cada porta que fica para trás meu coração dispara. E agora penso em quão tola sou. Medo de quê? Qual dos monstros da minha loucura aparecerá por trás dos meus ombros e me perseguirá com sede dos meus tormentos. Estou enlouquecendo. Rogo a Deus para que me proteja das minhas alucinações violentas. Fico mais calma quando finalmente abro a porta do velho escritório do meu avô. Uma caminhada interminável em alguns metros. Acendo a fraca luz e entro afoita.

Aqui tudo é um mergulho no tempo. Eu gosto. Gosto do cheiro da umidade, gosto do amarelado da lâmpada, gosto da sensação de voltar à infância. A cortina pesada está fechada, encobrindo a janela. Abro-a com delicadeza. Lá fora tudo transmite paz e tranquilidade. Por que deixei a fazenda? Por que deixei Minas? Por que deixei minha paz? Quando jovens não damos o exato valor àquilo que temos. Eu queria mais, eu queria o mundo... eu quis tanto, e não tive nada. Iludida pelas grandes possibilidades de um Rio de Janeiro que não existiu para mim. O piano não me levou a nenhum lugar, apenas ao mágico mundo dos meus sonhos tolos. Tocar era meu prazer, minha forma de gritar aos homens a sensibilidade da mulher, tocar era tudo o que me fazia feliz até conhecer a infelicidade de amar. Quero de volta a minha alegria triste; quero a minha música da alma enternecendo os corações aflitos, quero encontrar o que perdi em mim. Eu preciso. Preciso me encontrar e não há lugar melhor do que voltar aonde tudo começou. Ao velho piano de minha doce avó, aos livros do meu avô, aos beijos de minha mãe, aos abraços de meu pai. Preciso encontrar a menina sonhadora que um dia arrumou as malas e decidiu tentar carreira numa cidade estranha. Ela não está morta, apenas perdida num canto escuro da minha história.

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