quarta-feira, 15 de junho de 2011

Capítulo V - Cena 5

Encantada com a sala do meu avô, com as sensações pueris que me invadiram a alma, quase me esqueço do que vim fazer no meio da noite, como uma ladra furtiva esgueirando-se pela casa. A grande estante me fascina os olhos. Tantos livros ali repousados, tantas histórias guardadas, tantas lágrimas dispostas em versos e prosas. Jorge amaria este lugar. Tenho certeza de que ficaria horas, quem sabe dias perdido entre os livros do meu querido mestre literário. Mas ele nunca quis deixar o Rio, nunca quis passar alguns dias no campo, nunca quis conhecer minha família, meu mundo, minha vida. Será que ele realmente me conheceu? O que Jorge sabe de mim?

A busca é rápida. O volume que procuro logo está em minhas mãos. O tecido da capa deslizando em meus dedos, as letras douradas já desgastadas pelo tempo, o cheiro do papel envelhecido, tudo me encanta. O coração se enche, mas não de amor ao homem, mas de amor puro e bondoso. Tenho vontade de chorar. Eu preciso da prece que pulula em minha cabeça. Queria ouvir a voz do meu avô recitando o poema, mas ele dorme, ele é velho, já quase não vê... mas sabe de cor os versos que procuro. Sento numa poltrona de couro de frente à janela. Lá fora a lua altiva joga seu brilho na grama. É tão linda, tão distante, tão solitária, a pobre amante. Abro o livro. Leio com a voz engasgada e as lágrimas que teimo em conter, enquanto busco a Cristo nos versos de Gregório.

A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.

A vós, divinos olhos, eclipsados
De tanto sangue e lágrimas abertos,
Pois, para perdoar-me, estais despertos,
E, por não condenar-me, estais fechados.

A vós, pregados pés, por não deixar-me,
A vós, sangue vertido, para ungir-me,
A vós, cabeça baixa, p'ra chamar-me

A vós, lado patente, quero unir-me,
A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.

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