segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Capítulo III - Cena III

A taça está vazia. O apartamento está vazio. O meu coração está vazio. A mulher quando ama entrega-se ao sentimento, entrega-se ao outro como se ele fosse a absolvição do pecado de ser mulher. Ela se doa por inteiro sem olhar ao que deixa para trás, para sua individualidade, para seu próprio ser. A mulher se dá e nada recebe além de falsas promessas, de juras risíveis como os amores do homem. Ser mulher é ser condenada ao desengano, é ser mutilada por dentro e ainda sorrir como se lhe fosse um grande favor sofrer por alguém que a usa para saciar sua fome da carne. Eu fui mulher, eu amei e padeci as desgraças de um amor. Mas eu era tola, eu era jovem quando ele me encontrou, quando me deu flores e me iludiu dizendo as palavras mais doces que alguém poderia dizer a uma criança ingênua. Eu devia ler mais poesia na minha meninice, eu deveria conhecer os versos de amor que escapavam da sua boca quando me fitava os olhos e os lábios suplicantes por um beijo. Mas não percebi. Eu não percebi que era conduzida a um mundo escuro em que a razão se apagava como fogo sem ar. Eu amei cegamente um cafajeste, um vil homem cujo caráter não existe. Eu me deixei levar pelo ritmo da sua voz melosa, pelo sotaque elegante, pelos olhos brilhantes de um encanto falso. O amor me deixou marcada pelo desgosto, por isso decidi não mais amar. Jorge foi tudo em minha vida, Jorge foi meu porto onde pensei ancorar a minha fragata danificada. Mas descobri que a segurança nunca existiu, descobri que nunca tive aquele que julgava ser meu.

Encho a taça, mas a vida continua vazia. E de pensar que um dia ela foi plena me causa dores atrozes na cabeça e na alma. Amei como menina, entregando-lhe não só a minha flor mas também todo o meu jardim. Fui a amante perfeita, a dama educada, a prostituta na cama, a pessoa exata para o seu sonho. Fui feliz. Não nego que a felicidade existiu entre nós e me fez sorrir por anos de alegria sem fim. Mas a alegria teve fim. Eu, que lhe daria o mundo, e pensei ter dado, recebi apenas a pior parte do mundo caótico em plena guerra de mutilados.

Mereço a desgraça? Mereço o inferno? Jamais pensei que chegaria ao trágico espetáculo que enceno à minha eterna decepção. Ser iludida, no fim das contas, fez com que eu percebesse que o ser humano é negro como as forças malignas que se escondem nas sombras de nós mesmos. A dor é lacerante.

Um comentário:

  1. Eu lembro que eu não tinha comentado de propósito. rs. Está muito bonito.

    ResponderExcluir