terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Capítulo II - Cena IX

Há em mim um vazio imenso. Não consigo mais amar ninguém de verdade. A flor murchou em meu peito, taparam-na do sol e agora não resta mais nada além de folhas secas no chão das ilusões que eu tive um dia e agora não passam de tristes recordações que faço de tudo para esquecer. Mas não esqueço quando não há ninguém olhando. Sou dura feito pedra, sou uma rocha impenetrável a quem sentimentalidades não tem vez. É pena, eu, uma mulher tão bela e vivaz seja condenada ao desgosto por um homem, um simples homem que não soube me dar o mínimo do que eu um dia o dei.

A madrugada se estende pela janela aberta. Lá fora os carros passam, a vida segue, eu me calo, disfarço-me em várias máscaras, em mil personagens para fugir de mim. Mas não há fuga, não existe evasão verdadeira para os tormentos da vida. Engraçado dizer-me isso, parece que sou mentirosa, que finjo, mas não sou. Há pouco estava cercada de risos, de aplausos. Há pouco eu recebia flores por viver um eterno fingimento e agradecia com o sorriso tenro de satisfação. Agora, sozinha em meu quarto, sem maquiagem, sem fantasia, vejo-me como sou de verdade: uma mulher amarga.

Mais vinho! Encho minha taça. Quero me embriagar, anestesiar o que me molesta por dentro. Ele não estava lá para ver meu sucesso. Até quando vou correr os olhos pela plateia procurando por ele só para lhe mostrar que eu continuo viva, mesmo sem estar, que eu continuo a brilhar, mesmo que por dentro não exista luz em mim?

Um livro jaz na mesa ao lado. Não me lembro de largá-lo ali. Nem lembro qual foi a última vez que li alguma coisa que não fosse a peça em que eu estaria. Pego-o com displicência, como se não fosse importante, embora tenha sido um dia. Abro-o com me-do do que encontrarei, porque sei que há palavras dele esperando por mim. Não quero ler a dedicatória, malditas palavras de um tempo distante. “Ao meu amor, a prova do meu mais puro afeto...” Que homem mentiroso! Levanto-me. Sem precisar olhar o índice, encontro os versos que quero. Respiro fundo. Na minha decadência noturna, quando ninguém me pode ver, encho os pulmões e declamo intensa...

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...

... para depois chorar. Queria gritar ao mundo que não o amo, que jamais amei, mas a mentira se encerra aos meus ouvidos, porque me engano a mim mesma, não a ele, não a outrem. A verdade é que Jorge e suas belas palavras penetraram na minha pele e devastaram minha alma, e não sei o que fazer para me livrar dele.

Outra taça... mais um gole. A noite é longa para os insones.

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