segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Capítulo II - Cena VIII

Chegamos ao quarto. A cama vazia. A cama em que penso nela quando pensas em mim. Sou um monstro, Luciana, um monstro de decadência moral e crueldade. Sou um monstro, Luciana, e tu és a princesa enclausurada nas grades da minha loucura. Deito-te com zelo. Teu corpo se espalha no colchão macio. Sentes falta do meu corpo, lan-ças os braços inconscientemente a me procurar. Dou-me pela primeira vez às tuas vontades, deixando o meu corpo saciar o que queres. Ponho-me ao teu lado e te abraço como nunca antes abracei. Envolvo o teu pequeno corpo, aconchegando-te em meu peito. Protejo-te do mundo, protejo-te de mim. Pela primeira vez estamos na cama, e não por malícia ou desejo sexual nos levando ao deleite. Estamos juntos com carinho. Eu te acaricio os cabelos macios, toco-te como nunca antes toquei, toco-te com pureza e afeto, quase um gesto de amor, que nunca saberás que te dei. Ah, orgulho miserável, por que é que me fazes isso? E ficamos assim, juntos, abraçados na noite como dois namorados, que somos, mas nunca fomos. Agora eu diria que te amo, mas, não, Luciana, meu amor não é digno de ti. Deixo o tempo passar um pouco. Não nego que sinto o prazer invadir-me estando presa em meus braços, mas maior que o prazer é a dor que me arrebenta por dentro.

Levanto sem que percebas. Sou especialista em fazer isso. Olho-te mais uma vez deitada na cama, mergulhada em um mundo bom. Salvem os sonhos! Espreito-me na penumbra até voltar à sala. Deixo-me cair na poltrona. Estou exausto. Quero ler um pouco, mas não leio. Há algo mais pungente agora. Acendo um cigarro. O trago me arrepia os pelos e a baforada me alivia a alma. Enfim posso chorar.

Entre as lágrimas, os cigarros queimam numa constante infinita. Não tenho sono, não quero voltar ao quarto e me deitar ao lado de Luciana. Hoje não a desejo, não quero importuná-la com meus acessos de volúpia. Deixarei que a mulher repouse, merece o sono como prêmio ao seu sacrifício. Hoje não estou para nada, hoje não quero nada além da paz que persigo desde que dei o passo errado, desde que saí da vida de Cláudia. Hoje quero apenas cismar em silêncio, sem me preocupar com o que poderia ter sido e não foi. Como fui tolo, inocente, imaturo! Como deixei a felicidade me escorrer pelos dedos como areia no mar. Hoje estou só comigo e meu desmazelo. Preciso esvaziar a cabeça, retirar de mim toda a angústia que me consome e devora meus dias. Só não sei como fazer isso.

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