sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Capítulo II - Cena VII

Uma página marcada no livro. A curiosidade me toma. O que andaste a ler, minha querida adormecida? Quais palavras traduziram a tua dor? Deixa-me lê-las ao teu ouvido enquanto dormes. Deixa eu te dar o pouco do amor que te nego todos os dias!

Falo baixo para que não acordes. Quero-te assim como estás: dormente, serena, tranquila.

Para mi corazón basta tu pecho,
para tu libertad bastan mis alas.
Desde mi boca llegará hasta el cielo
lo que estaba dormido sobre tu alma.

Es en ti la ilusión de cada día.
Llegas como el rocío a las corolas.
Socavas el horizonte con tu ausencia.
Eternamente en fuga como la ola.

He dicho que cantabas en el viento
como los pinos y como los mástiles.
Como ellos eres alta y taciturna.
Y entristeces de pronto, como un viaje.

Acogedora como un viejo camino.
Te pueblan ecos y voces nostálgicas.
Yo desperté y a veces emigran y huyen
pájaros que dormían en tu alma.

Fecho o livro, porque estás com os olhos fechados. Desenho-te um sorriso meigo que não poderás nunca ver desenhado em meu rosto, agora, não mais aflito. É noite alta, e tu dormes silente como a borboleta a pousar nas flores. Delicada, serena, linda. Por que é que não te consigo contemplar quando estás desperta? Por que é que não te dou o mínimo de mim quando poderia te dar tudo? Ah, Luciana, por que é que te faço tão mal, e ainda me aguardas voltar aos teus braços mesmo sabendo que nunca fui a eles com plenitude? Quisera não ter por ti só a paixão da carne como alívio às minhas amarguras da alma enferma. Quisera, triste companheira, poder retribuir ao afeto que me dedicas sem me pedir em troca nada além da minha presença ignóbil. Tenho vontade de chorar por ti, mas derramo as lágrimas por mim.

Com cuidado enlaço o teu corpo no sofá e te ergo com delicadeza. Ameaças despertar, tuas pálpebras se apertam, mas não acordas. Puxo-te mais para perto, embalando-te como se fosses um bebê indefeso. Resmungas algo, penso ser meu nome, mas te digo paternalmente para que continues a dormir, e dormes. Os passos ao quarto são lentos, muito vagarosos para não incomodar teus sonhos. Com que sonhas, Luciana? É com dias em que eu te dê o meu amor? Não posso dá-lo, querida. Não posso, porque meu amor não traz alegria. O meu amor é flor ressecada no outono, é mácula de infâ-mia, é dor atroz que fere. Não quero dá-lo a ti, não por maldade, mas por proteção.

Um comentário: