quinta-feira, 10 de março de 2011

Capítulo III - Cena VII

Desculpe-me, Jorge, por amar você; por me consumir na esperança cega de que um dia você possa me amar, não como o amo, pois sei que é muito, mas, ao menos, um pouco para que eu não me sinta assim, como agora me sinto, entregue ao abandono, à solidão irremediável que me mata a calma quando você foge de mim na madrugada, e eu finjo não notar.

Temos que dar um fim a esta tormenta sem sentido que é nosso caso. Não podemos mais viver no maldito castelo de areia junto ao mar, não podemos nos alimentar de nuvens e dormir no ar...eu já não quero amar. Não quero, meu querido amante, ser amarga, não ter o prazer do sentir. Não! Eu sou toda sentimento, toda euforia e emoção por você. E o que você é para mim? Você percebe que tem me tirado isso também? Não, tenho a certeza exata de que não percebe, ou finge não perceber.

Gosto mesmo de ver você dormir. Você fica ainda mais bonito quando tem a expressão serena estampada no rosto adormecido. Parece que jogou fora, se livrou dos problemas de uma forma muito simples. Admiro-o por isso. Fico a imaginar o que você sonha... Será comigo? Tolice, sei bem que não estaria com esse sorriso tênue lhe decorando a face se eu fosse o seu sonho.

Resolvi, meu doce amado, dar o que você tanto quer, mas não tem coragem para me dizer: irei me afastar de você mesmo que doa, e doerá como nunca senti. Não lhe darei a liberdade ainda, mas o deixarei livre das amarras que o prendem a mim.

Sinto muito por amar você... Eu beijo sua face com delicadeza. O gosto da sua pele, os pelos da barba, o suor na minha boca, tudo é um tiro de agonia, um calor que me sobe pelas pernas e explode nos lábios sedentos dos seus lábios. Quase não me detenho. Tenho vontade de arrancá-lo dos sonhos, trazendo-o de volta à realidade dos meus carinhos; tomá-lo para mim como se eu pudesse tê-lo; desnudá-lo das suas contradições; devorá-lo como antropófaga para tê-lo em mim mais do que já tenho. Venha, meu amor, conhecer as estrelas! Elevarei seu corpo em minha ilusão de menina. Eu desejo, amo... ardo sozinha, sempre sozinha... Por que não o acordo? Por que não faço a sua paixão ser minha? Tenho medo de aborrecê-lo, tenho medo da rejeição. Mas como posso temer isso, se rejeitada sou todos os dias?

Deixo-o no sofá. É cedo ainda. Ele não irá acordar. Preciso sair, preciso pensar, preciso do ar que me falta quando ele me deixa. Vou ao largo, um passeio pela orla... qualquer lugar onde ele não está... mas não há lugar onde Jorge não esteja. Ele está em mim, nas minhas coisas, nas minhas roupas... está na cidade, na praia, nas praças, nos campos... está em tudo dentro de mim, tomou minhas memórias, devorou minhas lembranças... tomou-me de mim.

Preciso do som, preciso da música, preciso tocar... preciso me perder para, quem sabe, me encontrar.

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