quarta-feira, 30 de março de 2011

Capítulo IV - Cena I

Mais uma noite mal dormida. Meu pescoço dói como se o tivessem apertado, como se eu fosse estrangulado. Mas o que é a dor do corpo quando o que incomoda de verdade é a interna? Às vezes penso em como machuco Luciana. Vê-la indefesa na cama, como uma criança encolhida mexeu comigo como nunca. Sou um monstro. Assim vejo a mim quando lanço os olhos no espelho. Parece-lhe que não tenho sentimentos, que sou cruel apenas por um prazer doentio de lhe fazer sofrer. Mas não é assim que sou, este não sou eu. De que adianta convencer-me disso? Ela não me pode ouvir os pensamentos.

Agora me vem a lembrança feliz de quando a vi pela primeira vez. Estava tão linda, tocava exuberante seu piano de calda numa festa que mal me recordo. Como recordar de outra coisa depois de ver Luciana tocar o piano. Ela fascinou-me de imediato. E quis tê-la naquele mesmo instante em minha cama. Quis entrar em seu corpo e sublimar meu egoísmo em mais uma conquista sem sentimentalidades. Queria apenas seu sexo, retorcer-me de gozo em seu corpo formoso.

Ainda vivia com Cláudia quando Luciana cruzou meu caminho. Mas não foi por ela que perdi, ou joguei fora, o dilacerante amor. Foram as outras que vieram antes e depois da minha pianista sorumbática. Não nego, não posso negar, o quanto mesquinho eu fui, o quanto me faltou o caráter nos tempos idos. Foi preciso perder o ser que me fazia viver para que eu percebesse a sua derradeira falta. Como pude ser tão tolo por imaginar que minhas falhas jamais seriam descobertas.

Depois que a amada se foi, busquei nos braços da outra o alívio às minhas amarguras. Que culpa tenho eu, se ela me ofereceu mais que o ombro amigo? Certo, eu me aproveitei da minha própria melancolia para trazê-la mais para perto, para abrir as portas do meu apartamento e despi-la em meu quarto. Fiz parecer que aquilo era algo natural, mas sempre foi minha intenção passar a noite entre seus braços; nunca me neguei a verdade daquele instante em que seus seios nus tocaram meu peito e as peles se aqueceram no calor da paixão. Luciana seria só mais uma conquista como foram todas as outras, mas com ela foi diferente. Eu a quis de novo. Eu gostava de ter aquela menina sob minha devassidão disfarçada de amor. Era carência... era a carência que me levava a ela como um desesperado corre para viver. Dei-lhe corda como se faz a um brinquedo. Nunca me dei por satisfeito. Eu a quis mais, talvez esse tenha sido meu erro. Num momento de que não posso precisar, deixei que ela se apaixonasse por mim. Eu a deixei deitar no caixão e esperar pela morte.

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