terça-feira, 26 de outubro de 2010

Capítulo II - Cena V

A porta fechada à frente. A pequena placa com os números do meu apartamento. Vacilo em meter a chave na fechadura. O que me espera do outro lado? Qual mulher estará deitada em minha cama? Fruto do meu sonho impossível, Cláudia só me espera na ilusão criada pela minha mente fraca, ébria de desejos e uísque. Não é a mulher fruto da minha paixão arrependida que estará despida em minha cama, eu sei que ela nunca mais estará em meus lençóis amarrotados. É Luciana que me espera. Hoje seria melhor que ela não estivesse ao me aguardo com seu sorriso incansável de ser apaixonado. Que mal te fiz para que tanto desperdices o teu amor comigo? Mereces um homem que con-tribua à tua paixão, jamais deverias ter a mim como amante. Sou-te displicente, sou-te a ferida gangrenada no coração sofrido. Mesmo assim me amas quando procuro nos teus braços abrigo, mesmo assim me amas quando na tua boca sufoco os meus gemidos. És um anjo, Luciana! Tu és o anjo triste da minha consciência perdida. Lamento a dor que minha covardia impinge-te. Hoje, queria ficar só, para não te fazer chorar. Sei que cho-ras quando pensas que não estou a te olhar. Sei que as lágrimas escorrem como um rio dos teus olhos quando me viro à porta e te digo que não tenho horas para voltar. Se eu fosse merecedor de ti, secaria teu pranto com minha boca cheia de pecadas, beberia tuas lágrimas dolentes, acolheria tua cabeça em meus ombros e te acariciaria os cabelos. Eu te amaria, Luciana, como deverias ser amada. Eu te amaria como tu, não sei por quê, me amas.

Giro a chave. Ouço o som da tranca se abrindo. A respiração profunda que me traz equilíbrio. A porta se vai abrindo lentamente como um martírio. Hesito entrar. Meus pés estão fixos na soleira, o capacho me prende — ou é o medo de ter contigo? Espero. Coração acelerado. Não quero conversar contigo esta noite. Esta noite quero somente o silêncio do remorso em minha cabeça. Entro devagar no apartamento. Vejo a fraca luz do abajur ao lado do sofá. Estás lá. Posso senti-la. Estanco novamente. A porta semi-aberta. Fecho-a com cuidado para que não te alarde a minha chegada lastimável. Estou bêbado, e sei que não gostas quando a bebida me consome. Sei que te irritas o hálito forte do meu destempero. Sei que irás me perdoar pelo descuido febril. E isso me dói mais do que o tapa que nunca me destes e, que por muitas vezes, como agora, mereci.

Espero que venhas ao meu encontro. Vais me perguntar por onde andei, com quem estive, com quem namorei. Não vens. Tardas. Por que tardas a me buscar à entrada se todos os dias me recebes com teus sorrisos e olhos brilhantes? Estás assim tão chateada comigo porque estiquei a noite depois do trabalho? Sabes que sempre volto aos teus afagos, Luciana, mesmo querendo que outras mãos desnudem o meu corpo.

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