sábado, 4 de setembro de 2010

Cena I - parte 2


Luciana, chamo teu nome baixinho para me certificar de que voltaste a dormir. Não me respondes, como eu imaginava. Novamente foste pega pela mão do sono e conduzida para a paz que serenas.

Levanto-me devagar, sem fazer barulho. Pego a calça jeans e uma camisa qual-quer. Saio do quarto, deixando-te na solidão da noite fria. Visto-me no corredor e antes que me dê conta de mim, estou na porta. Resolvo sair um pouco, caminhar pela cidade adormecida. Não consigo mais ficar em casa, não consigo mais sentir teu cheiro no ar. Quis que a fumaça do cigarro disfarçasse o teu cheiro, mas ele está em tudo, Luciana, em todo o apartamento. Desculpe-me, querida, mas preciso de ar, preciso sentir o vento no rosto, preciso me desvencilhar de ti quando penso nela. O porteiro me olha de lado quando passo por ele. O portão se abre num clique seco e eu entro no mundo real.

Estou na rua. Um carro passa, outro para. Não há o movimento constante de pas-sos nesta hora. Deve ser três da manhã, mas na pressa não peguei o relógio. A cidade está tão violenta que não quis levar nada além da carteira de identidade metida no bolso. Sem dinheiro, sem horas, sem rumo, ponho-me andar pela solidão das ruas adormeci-das. O céu está aberto, há estrelas, mas faz frio, e eu não trouxe o agasalho. Meus braços tremem, minhas mãos doem, mas pouco me importa. Meu coração agora é frio também.

Penso nela. Queria discar o número que tantas vezes disquei, mas não trouxe comigo o celular. Poderia ligar de um telefone público, mas depois da agenda eletrônica nunca mais consegui guardar um número de memória, nem mesmo o dela. Não ligaria de qualquer forma, é apenas a vontade bruta de ouvi-la dizer-me alô. Apenas uma pala-vra pela sua voz macia já me aliviaria a tormenta, mas não vou ligar, vou continuar com o meu desejo latente sem que possa revelá-lo. E por que não revelo? É porque tenho medo de me passar como tolo em procurá-la depois de tudo, depois de tanto tempo. Sei que não me entendes nem entendes esta minha loucura, mas quero que me ouças sem nada te dizer; quero que me compreendas sem que nada diga por hora.

Um comentário:

  1. Na minha opinião, é uma história linda, triste, emocionante e envolvente! Eu agradeço pela inspiração e a leitura! Parabéns! bj-te EMOÇÃO

    por Gio Amor, via Recanto das Letras

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