segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Cena II - Parte II

Isso é amor, Jorge. Embora tenha por mim que seja loucura, quem sabe obsessão. Mas não é o amor um pouco de loucura? Amar é perder a razão de si e do mundo para sentir o paraíso na terra, nos braços daquele a quem se ama. O amor é um paradoxo sem fim, bem dizia o poeta que você gosta naquele poema que leu para mim, mas pensando nela, eu sei.

Agora me lembro bem daquela noite. Você lia um livro de sonetos e eu interrompi a sua leitura para lhe oferecer uma taça de vinho e o meu corpo. Seus olhos se ergueram das páginas amareladas e fitaram os meus olhos esperançosos. Pegou-me a taça das mãos e me sorriu, a fim de disfarçar a tristeza que o amor lhe causava. Eu senti, Jorge, que não era eu a mulher que você queria naquele momento, que não era por mim que seu coração palpitava, mas, mesmo assim, você me segurou a mão, disse para que eu me sentasse ao seu lado e o ouvisse dizer do amor. A sua voz me invade os ouvidos agora, com o sol a meio-mar, como naquela noite sem lua.

Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Quando terminou a leitura do poema, meus olhos estavam marejados, baços, tristes, porque eu sabia que a sua comoção não era pelo meu amor, era pelo amor dela; da mulher que roubou você de você mesmo. Não sei se percebeu o que se passava em mim, não sei o que se passava em você, mas fechou o livro e me tomou como mulher, amou a ela no meu corpo, despedaçou-me mais um pouco. Eu me iludi, deixei que você fizesse de mim o seu brinquedo para esquecê-la. Mas você não a esquece, não é? Naquela noite, Jorge, a dor me desatinou e doeu como nunca, apesar de me esforçar para que você não percebesse que meus gemidos não eram de prazer.

Com sol, você chega. Eu o ouço abrir a porta devagar e entrar lentamente, talvez pensando que eu ainda esteja dormindo. O que vai fazer? Ou melhor, pretendia fazer, já que eu o surpreendo com a minha aparição na porta do quarto? Acredito que se deitaria ao meu lado e fingiria nunca ter saído, para que eu acordasse e visse você ao meu lado. Mas hoje não teve sorte, não é? Não contava em me ver acordada tão cedo. Quero lhe interrogar, perguntar onde esteve à noite, com quem estive até se lembrar de voltar para casa; mas tenho medo de que você se irrite comigo e resolva me deixar. Eu aguento tudo, Jorge, mas não posso viver sem você. Se você sair pela porta, dizendo adeus, a minha vida acaba, o meu mundo desaba. Não posso suportar a ideia de perder você. Só a possibilidade remota, a vaga hipótese faz com que minhas pernas tremam e eu perca o fôlego.

Fito os seus olhos com seriedade, mas sou incapaz de brigar com você. Por dentro, o ciúme me arde, mas o deixo mudo, quieto em meu ser. Por dentro, a insegurança me fere, mas a deixo guardada, intocada em meu ser. Quero você, Jorge, mesmo quando desaparece da minha cama e volta com o rosto amargo, como agora. Pergunto dissimulada, num tom sereno e carinhoso onde estava, onde passou a noite. Você me responde que apenas quis caminhar. Diz para eu não me preocupar com você. Mas eu não consigo. Meu coração vai com você, Jorge, para onde quer que você vá. Ele chora por você sempre que a cama está vazia, sempre que o travesseiro não aconchega a sua cabeça. Penso em questionar o motivo para que você tenha me deixado sozinha, nua, esperando por você, mas o seu sorriso me desarma e esqueço as dores da minha alma, parada à porta do quarto, sempre esperando pelas suas mãos em mim, pelo seu corpo no meu.

4 comentários:

  1. Muito bom mesmo! Está bem claro e com um bom vocabulário. Envolvente e emocionante. Não vejo a hora de ler seu livro por inteiro.

    por Thaís Afonso

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  2. Alberto, eu achei o narrativa bem interessante e bem escrita.Ela nos prende e ao mesmo tempo, possibilita alguns questionamentos interessantes; que mulher é essa que mesmo sabendo não ser amada, continua te amando? Quem é esta outra, que mesmo distante e te desprezando(?) se apoderou do seu coração?? Por que Jorge continua preso a esta outra mulher ( não vale dizer que é por amor! Só ser for amor doentio!).Não sei a continuidade do texto,mas tenho vontade de saber sobre esta outra mulher e a relação do Jorge com ela!Que sentimentos estão presentes...como que um entrou na vida do outro e saiu ou não! Eu senti falta dos detalhes sobre a vida dos três! Isso tudo irá encrementar a história e dar asas à imaginação!Rs Eu já estou aqui, incomodada com o marasmo de Luciana!Ahahah

    por Cristiane, via Recanto das Letras

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  3. Sinto o mesmo que Cristiane. Acho que, desse jeito que ela age, jamais vai conquistar o Jorge.

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  4. Penso o mesmo... acho que ela precisa tomar uma drástica atitude para mudar a forma que ele a vê.

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