quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Cena II - Parte III


Você vai para o banho. Diz querer se livrar da poluição das ruas, da sujeira do ar, do cheiro da fumaça do seu cigarro, dos carros. Entra no banheiro e tranca a porta. Não quer que eu entre. Não quer que eu dê banho em você? Eu esfregaria as suas costas, deixaria a água escorrer pelos meus dedos e cair em seu corpo, lavaria os seus pés. Depois, enxugaria seu corpo molhado, a cabeça, os seus cabelos castanhos. Se você quisesse, Jorge, faria a sua barba com maestria, com amor. Mas você não me quer agora, Jorge. Por que não me quer aos seus pés, realizando suas vontades, cuidando de você?

Mas eu cuido, de um jeito ou de outro, eu cuido. Faço o seu café. Sei que você gosta do meu café, o café forte, moído na hora, quente. Arrumo a mesa, ponha a sua xícara, o pão de forma, o queijo de minas, a manteiga. Queria que você tomasse um suco de laranja, comesse uma fruta no desjejum, mas você não gosta disso. Não troca seus vícios, não abandona seus hábitos. Primeiro eu preparo o que lhe dá prazer, depois sacio a minha fome. Não importa mesmo, a fome maior é de você. Não me importo em pensar em você primeiro, não ligo para a anulação do meu ser, desde que você não fique insatisfeito. Isso é amor, não é, Jorge? Faço porque amo você, faço porque nada é mais prazeroso do que ver você feliz. A minha felicidade está no seu sorriso, mesmo quando não me diz um simples obrigado, mesmo quando sai apressado e passa por mim como um furacão devastando o apartamento.

Seu banho finalmente acabou. Ouvi a maçaneta girar. Você fica tão bonito quando sai do chuveiro enrolado na toalha. Sua pele reluz, cheira bem. Eu estremeço quando vejo você acordar para o dia. Seu peito nu me convida para me emaranhar em seus pelos. Se eu pudesse, agora mesmo arrancaria a toalha da sua cintura e faria o seu dia ser mais feliz, pena que tão cedo não temos tempo para brincadeiras embaixo do lençol. O trabalho nos chama sem se importar com nossas alegrias. Você não pode se atrasar para o escritório, eu não posso atrasar você para os seus afazeres. Voltando do quarto, seu rosto está ainda mais bonito. Adoro quando faz a barba e fica com a pele lisa. Parece um menino pronto para descobrir a vida. Eu sei que a vida já passou por você, mas a impressão é de que ela não lhe deixou marcas gravadas na face. Você é tão bonito como no dia em que conheci você. Vem, Jorge, senta aqui comigo. Vamos tomar o desjejum.

Não gosto quando você fica mudo, quando seu olhar fica perdido em algum ponto do nada e sua mente está presa no desconhecido. E queria que conversássemos mais, que dividíssemos os problemas. Mas você não gosta de compartilhar os pensamentos, e isso me dói um pouco. Na verdade, dói muito. Mas eu entendendo. Sei que há coisas em você que não podem ser ditas. Mas não sou tão burra assim, apenas respeito o seu silêncio, porque, se forçá-lo, a onda nervosa pode me afogar. Deixo você com seus conflitos. Quero apenas abrandá-los, quero apenas fazer você feliz. Um dia, eu sei que vou conseguir fazer de você um homem pleno, sem medos, sem receios, sem traumas. Até lá, eu me firmo à promessa de amar você como ninguém nunca ousou amar, eu me firmo na esperança de que suas cicatrizes se fechem e você só tenha os olhos e os sentimentos para mim.

Hoje você me beijou a testa antes de sair, deixando-me sozinha novamente. Uma lágrima escorre em meus olhos quando você bate à porta e sai para sua vida. Será que você volta cedo hoje? Será que se eu ligar para almoçarmos juntos, você aceitará o meu convite? Temo que não. Hoje você está com aquele olhar perdido. E, quando o leio, sei que você quer ficar sozinho.

Um comentário:

  1. Xingaria essa tal Luciana todinha se não reconhecesse que o pecado dela está na verbalização daquilo que uma mulher apaixonada (ou subjugada) pratica, até que o caso termine. E vou dar desconto, inclusive, para o fato de se tratar de um escritor, pois, apesar do gênero, em nada mente.

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