terça-feira, 28 de setembro de 2010

Cena IV - Parte II

Pareço uma velha desiludida reclamando da vida. Não sou nem velha, nem desiludida, sou apenas uma mulher que sofreu um amor, que teve a vida retirada da órbita normal e agora olha para o passado com saudosa lembrança. Florbela Espanca tem um soneto belíssimo, um soneto que me acompanhou nos momentos de crise, quando pensei que a vida perdera totalmente a cor. Eu lia, declamava mentalmente, chorava com a força verdadeira dos versos de “Eu”, debulhava-me em lágrimas, manchando meu rosto com a maquiagem borrada pela minha dor. Como era tola, ingênua por deixar que um homem fizesse tanto estrago em mim. Ele não merecia minha vida, mesmo assim, iludida por uma paixão sem limites, entreguei-a sem medir as consequências, sem temer o meu destino ao seu lado. Eu enganei meus sonhos. Os versos de Florbela me escapam pela boca.

Eu sou a que no mundo anda perdida,
eu sou a que na vida não tem norte,
sou a irmã do sonho, e desta sorte
sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
e que o destino amargo, triste e forte,
impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber por quê...

Sou talvez a visão que alguém sonhou.
Alguém que veio ao mundo pra me ver
e que nunca na vida me encontrou.

Como era tola. Queria declamar nos ouvidos dele a dor da mulher que ama e sofre. Não o fiz, e hoje dou graças por não ter feito. Jamais daria a Jorge o gosto de saber que eu padecia por ele. E eu o amava tanto...

Mas a doença foi curada. Esse amor doentio se foi. Hoje eu sou mulher, não mais a menina tola que se enganava com promessas vacilantes de um homem sem caráter, de um homem que só sabe fazer sofrer aqueles que o amam. Eu não ando mais perdida, eu tenho meu norte! Liberta, feliz! Não porque um homem me ama, mas porque eu me amo acima de tudo. Não preciso de um homem para me realizar, realizo-me no palco, encarando a plateia concentrada, centenas de pessoas que lotam o teatro para me verem ser rainha dos mundos imaginários, para me verem ser a prostituta sifilítica que implora redenção, para me verem interpretar as vidas que criam para mim. Eu não pertenço mais a ninguém além de mim mesma. Mulher forte, de pulso. Eu sou Cláudia de Albuquerque, atriz, mulher.

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